Vampiro A Máscara: Um Jogo de Horror Pessoal

Shirley em busca do Golconda
7 min readJun 10, 2020

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Vampire Hunter D (2000)

Jogos de Interpretação de Personagem nada mais são do que uma Peça de Teatro imaginária.

No entanto, diferença sensível que se encontra entre uma sessão de RPG e uma Peça é o fato de que a Peça tem uma direção, uma produção, regras estritas a serem seguidas e poucas doses de improviso. RPGs são puramente no improviso e as regras embora sejam estritas, sempre podem ser dobradas pelo diretor no momento que ele desejar. Produção? Ela é completamente comandada pelo seu cérebro maravilhoso… e os dos seus outros jogadores, que quase sempre, vão entrar em choque porque todos vocês vão acabar imaginando algo diferente não importa o quão exato você seja.

Minha introdução ao conceito de RPGs e como funcionavam se deu muito cedo na infância, mas só vim a jogá-los de verdade com grupos de amigos por volta de 2017 e desde então, caí num mundo de onde dificilmente consigo sair porque absolutamente o amo. Comecei como jogadora, mas aos poucos percebi que minha real vocação se encontrava em narrar e dirigir essas “Peças”.

Dentre os jogos de RPG que existem, meu favorito é um criado em 1991 concebido como um “Jogo de Horror Pessoal”. Onde todos jogam como um Vampiro lutando diariamente contra a sua besta interior: A fome por sangue.

Esse, é claro, o famosíssimo Vampiro: A Máscara.

A charmosa florzinha…

E é especialmente dele que quero falar hoje.

A experiência de narrar um jogo de RPG é normalmente, imaginária e completamente fictícia. Depende totalmente dos jogadores o quanto eles trazem de si próprios para a mesa, seja da sua criatividade ao criar um personagem, problemas emocionais ao atuar como um, ou talentos inatos da sua personalidade quando realiza algo extraordinário ou inesperado que pega o narrador de surpresa.

Por isso é tão comum mesas darem errado, já que existem muitos jogadores que não sabem separar o jogo da vida real. A parte engraçada é que jogos clássicos de RPG como Dungeons & Dragons ou Tormenta não costumam requisitar isso dos seus jogadores, focando mais no aspecto da aventura, das dungeons e do looting. Mas já perdi a conta de quantas vezes vi isso acontecendo.

Com Vampiro: A Máscara porém, a valsa é outra. O jogo pressupõe que todos os jogadores são monstros, parcialmente ou completamente eviscerados pela sua nova existência, onde tiveram que deixar sua vida humana para trás a fim de viver pela única coisa onde encontram prazer: Sangue.

Isso é tão anti-higiênico, moça.

Prazer esse que representa um risco inerente para as pessoas que o Vampiro ama.

Um jogador ruim pode se perder facilmente em Vampiro: A Máscara. Esse é literalmente o tipo de jogo onde se você tem um jogador disruptivo que toma atitudes inconsequentes, você não precisa mantê-lo vivo. Porque no Mundo das Trevas, (o mundinho compartilhado de Vampiro A Máscara) uma pessoa assim tem uma expectativa de vida muito baixa. A realidade é dura nesse mundo e normalmente muito decepcionante. De certa forma, é uma versão ainda mais sombria do mundo real para um RPG. A ajuda não vem e a aventura é usualmente uma espada de dois gumes que termina numa escolha entre o mais pior e o menos pior (parece política).

Agora, voltado ao assunto de jogadores, um jogador bom (e esse é o caso dos meus jogadores, amo vocês) pode aqui criar um personagem com uma profundidade emocional inesperada. E isso acontece muitas vezes sem narrador ou jogador perceberem. Eu mesmo, percebi isso ontem.

Eu gosto do drama, não vou mentir, constantemente adoro colocar meus jogadores em situações dramáticas. Mas o que me bateu é o quanto Vampiro, através das suas mecânicas, encoraja os jogadores a pensarem com sua própria personalidade em seus personagens. O mesmo sendo válido até mesmo para o narrador em pessoa com seus NPCs.

Quando você joga um RPG existe a mentalidade de jogo, aquela no cabeçalho da maioria dos Livros de Jogadores e que inclusive está no Livro do Jogador de Vampiro:

Hey, isso é só um jogo, divirta-se, faça o que você não faria normalmente na vida real. Seja criativo

Normalmente, os jogadores vão tratar o jogo pelo o que ele realmente é, um jogo. Um Ladino normalmente não liga para as consequências de roubar alguém na rua numa sessão, mesmo que elas existam. Você não considera a multa gigante em dano à propriedade quando explode um caminhão em Grand Theft Auto. É um jogo.

Mas Vampiro ao mesmo tempo que te deixa bem ciente disso, também te avisa:

Os jogadores devem compreender as consequências dos atos de seus personagens — Livro do Jogador, Vampiro: A Máscara - Edição de Vigésimo Aniversário

A moralidade é parte integrante de Vampiro — Livro do Jogador, Vampiro: A Máscara - Edição de Vigésimo Aniversário

Existe uma clara distinção em Vampiro entre o que você, fulano, faria e o que você, personagem fictício, pode fazer. Existe uma mecânica de jogo chamada Humanidade que modera as decisões consideradas amorais que o seu personagem poderia tomar e você é punido se não pensar nos mortais vulneráveis com os quais você irá interagir.

Em outras palavras, sabe o caminhão que você explodiu em GTA? Você vai pagar por isso. A pessoa em quem você deu um tiro? Isso vai te perseguir psicologicamente.

Em termos de D&D, se você matar um guarda, essa morte pode te assombrar.

Pelas escrituras na parade claramente temos uma vampira perturbada aqui

As decisões e as consequências são muito mais pesadas e reais aqui.

Isso obriga os jogadores a não pensarem só com a mentalidade de jogo, mas também com a própria consciência e código de moral. Em situações difíceis, como um narrador, você é o moderador e tem que ficar atento a isso.

Isso tudo torna tudo bem mais intenso. Uma decisão sua, como jogador, pode acarretar em consequências para você ou até para os outros. Normalmente as pessoas olham para Vampiro e pensam que pelo fato do jogador ser um Vampiro, ele é forte, que as regras não se aplicam a ele, mas isso não poderia estar mais distante da realidade. O Vampiro precisa constantemente se vigiar. Claro, ele pode usar suas Disciplinas (que seriam os poderes de um Vampiro, agraciados pelo sangue) para manipular pessoas, dominá-las ou encobrir seus rastros, mas tudo isso tem uma consequência. O Vampiro é obrigado a esconder sua existência e se distanciar de todos a quem ama.

Com tudo isso dito, a grande experiência de colocar meus jogadores em situações dramáticas e horrorosas é ver a mentalidade de jogo e a personalidade deles entrarem num consenso bizarro. Constantemente quando diante de uma situação difícil, eles ficam em dúvida, até eu fico em dúvida quando interpreto os NPCs. Os jogadores precisam pensar na Besta lá dentro e eu preciso verificar se eles estão só satisfazendo a besta (a mentalidade de jogo, o que é benéfico, ou mais fácil) ou fazendo o que seria moralmente certo, o que é humano (a própria consciência deles, o que não é tão benéfico e usualmente, o mais díficil).

A verdadeira forma da besta

Por estranho que pareça, como estou mestrando para amigos, isso me faz conhecer um pouco mais deles. Eu sou abatido com a realização de que com essas decisões intensas eu agora os conheço um pouco melhor e sei como alguns deles agiriam se estivessem diante de uma existência tão confusa e cruel. Eu como narrador, não exponho tanto por interpretar tantos personagens, mas é justo dizer que cada personagem carrega uma história minha ou de outras pessoas. Afinal, eu sempre tento implementar um pouco de tudo. Então é uma troca de experiências muito interessante.

Eu percebo que com isso, o conceito de um Jogo de Horror Pessoal passa batido por muita gente como só sendo mero Horror.

Mas é bem Pessoal também. Você pode dizer que os jogadores de Vampiro gostam de um drama e que eles vibram com isso, que a sensação de ficar arrepiado com a aparição de um Lobisomem ou o encontro com uma Bruxa é de certa forma, uma forma bem intensa de aventuras dentro da própria imaginação. O jogo é construído para satisfazer seus jogadores muito como um filme intenso com efeitos especiais. Exceto que ele ocorre em conjunto com seus amigos. É horroroso, claro, o jogo é construído na estética Punk-Gótica, mas ei, isso aí foi o que a White Wolf escolheu.

E muitos de nós amamos, seja pela estética, pelos clãs, pela lore profunda. Eu amo Vampiro por tudo isso, mas acho que amo acima de tudo, pelas experiências pessoais e incríveis que o jogo me proporciona junto de meus amigos. Que nos trazem alegria e algumas vezes, um aperto no coração.

E não é essa uma das maiores belezas de RPGs?

O Mundo das Trevas é um palco… e todos os homens e mulheres, vivos, mortos porém vivos, lobisomens, fadas e magos meramente atores e atrizes.

Mas ei… é Apenas um Jogo ok?

Se divirta, neófito.

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Shirley em busca do Golconda

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